Pov's Houston
Desde pequena eu tinha alguns “hábitos de
vestimentas” completamente impróprios para fora de casa – agradeço ao meu pai,
sem ironia – como, por exemplo, andar apenas com uma camiseta pela casa – isso
mais ser uma criança completamente sem modos rendeu muitas fotos comigo pagando
calcinha – o que agora se transformou no contrário, vivo andando pela casa
apenas de short, principalmente se meu cabelo estiver molhado, como agora.
Depois de ter tomado banho, coloquei um short
jeans preto e um top – daqueles de alça unida que fecham na frente, acho que o
nome certo é “nadador” – e desci as escadas na minha casa, pulando feito uma
idiota, até a cozinha onde pretendia achar algo para comer.
Minha casa estava completamente vazia, meu pai
estava na empresa e minha mãe sendo voluntária no hospital como fazia antes de
eu nascer, e assim tem sido desde o começo desse mês. Ou seja: ou eu deixava a
preguiça de lado e me virara, ou morria de fome.
Estava cedo para a janta, mas eu não comia
nada desde o almoço, estava morrendo de fome! Era questão de sobrevivência, eu
tinha que matar o que estava me matando naquele momento.
Concordo com meus pais trabalharem, mas acho
que andam esquecendo de por comida em casa, sempre que venho procurar algo para
comer entre as principais refeições quase viro a cozinha de cabeça para baixo e
se der sorte acho alguma coisa, caso contrário, tenho que gastar o restinho do
meu dinheiro do lanche com alguma besteira da rua.
Ou seja, nada nos armários e mal, mal na
geladeira, me obrigando a ficar parada feito uma sonsa esperando que por algum
milagre aparecesse algo comestível ou que alguma ideia genial do que comer se
iluminasse na minha cabeça. Mas no final da conta fiquei involuntariamente e
distraidamente dançando “Elle Me Dit” do Mika na frente da geladeira até o
telefone da casa tocar e eu parar de ser tão demente, fechar a porta e ir
atender.
- Lô? – atendi despreocupada, roendo um
pedaço da minha mísera unha que estava me incomodando.
- Lua?
- Eu? – e então minha despreocupação foi
embora assim que ouvi Pattie Mallette falar do outro lado, com um tom de alarme
que jamais ouvi sair de sua boca.
- Graças a Deus você atendeu!
- Sra. Pattie, aconteceu alguma coisa?
- Justin está mal!
- Mas o que ele tem? A dor de cabeça
não passou?
- Ah querida, quem me dera se fosse
isso!
- Então o que houve?
- Ele está com um sério problema nas
cordas vocais. Aquele menino!
– notei que ela se esforçou para não falar coisa pior. Ela respirou fundo. – Parece que isso já está vindo de um tempo,
as dores de cabeça frequentes podem ter alguma ligação, mas ele disfarçava para
não precisar cancelar nenhum show e agora mal consegue falar.
- Mas o que eu posso fazer Sra.
Pattie? Quer que eu ligue para minha mãe? Ela pode falar com um médico, ou sei
lá.
- Nós já fomos ao médico, assim como a
Mama Jam disse, ele precisa descansar bem a voz, mas sabe como ele é teimoso
não sabe? E nem tomar o remédio quer! Diz que dói a garganta.
- Sra. Pattie... eu não... não sei o
que posso fazer.
- Vem para cá Lua, talvez ele te
escute e te obedeça.
- A mim? Mas a senhora sabe que Justin
e eu não andamos muito bem um com o outro.
- Eu sei, eu sei, mas, por favor, você
é minha última esperança. Ele pode não cantar mais.
Deixar de cantar? Não! Justin odiaria isso! Os
palcos são o melhor lugar do mundo para ele, abandonar suas fãs assim é a morte
para ele. Não! Não pode. Sem contar que eu sacrifiquei e sofri muito para dar
um pontapé inicial para toda essa Bieber Fever, fui embora para agora ele ser
teimoso? De jeito nenhum! Não passei por tudo o que passei, não movi uma palha
para ficar, para que Justin abandonasse a carreira em tão pouco tempo.
– Ok, estou indo.
Respondi e quase senti o alívio intenso da Pattie
antes que eu desligasse.
O desespero era tanto que eu peguei apenas uma
jaqueta de frio cinza e fina que, não lembro mais por qual motivo, estava
jogada na sala e vesti, peguei as chaves e saí de casa sem saber mais se eu
estava indo à casa da frente por ele ou por mim. De qualquer modo, saí de casa
as pressas, sem apagar as luzes, nem mesmo pegar o celular, muito menos comer,
mas naquele momento nem fome eu tinha mais.
Bati na
porta tentando conter o desespero e Pattie abriu, ela estava realmente
desesperada.
-
Obrigada por ter vindo, eu sei da briga de vocês, mas...
- Tudo
bem, onde ele está?
- No
quarto, deitado.
- Vou
subir – comecei a subir a escada, mas apenas os dois primeiros degraus antes
que a Sra. Pattie me parasse.
- Lua,
espera. Aqui o remédio que o médio receitou – ela me entregou uma cartela e um
copo de água.
Continuei a subir as escadas, mas com cuidado
para não derrubar o copo ou só a água. Cheguei ao quarto do Justin e entrei sem
nem mesmo bater na porta.
- Lua?
– ele tirou os olhos do Ipad que mexia enquanto estava deitado e me olhou
surpreso. Sua voz rouca e desgastada também tinha surpresa.
- Sua
mãe me ligou, disse que você não estava bem.
- Mas
eu – ele pigarreou – eu estou bem – comecei a sentir muito calor, então
arregacei as mangas da blusa de frio.
-
Justin, sua voz está horrível! Quer enganar mais a quem?
-
Isso? Ah! Não é nada! Logo vou melhorar.
- Sem
tomar o remédio que o médico receitou não vai mesmo.
- Pelo
jeito minha mãe fez um relatório completo né? Eu vou ficar bem, já disse.
- Você
sabe que pode ter que parar de cantar?
- Mas
isso não vai acontecer.
- Vai se
você continuar sendo teimoso – me aproximei e sentei na beira da cama, depois,
sem falar nada, estendi o copo e o remédio.
- Eu
não quero, minha garganta dói mais.
-
Imagino, sempre que fico com a garganta inflamada detesto tomar o remédio, mas
tenho que tomar e logo passa. Isso deve ser pior do que uma simples garganta
inflamada e deve demorar mais para passar também, mas a males que vem para bem.
Ou você toma, ou cancela essa sua amada vida de cantor e suas adoradas fãs.
Sem nem pensar direito ele pegou a cartela da
minha mão e tirou uma das mini pílulas brancas, depois me entregou a cartela e
pegou o copo virando tudo de vez com o remédio já dentro da boca.
Fez emburrado, mas fez.
Coloquei o copo vazio e a cartela na
escrivaninha do lado e me levantei da cama.
-
Agora melhor você dormir.
- Mas
não quero!
- Problema
é seu, tenta. Do jeito que é tagarela aposto que não calou a boca o dia
inteiro, então dorme, assim fica quieto.
- Que
amável você é.
- Eu
sei. Agora deita – ele escorregou na cama se deitando e eu o ajudei a se
enrolar, me sentando na cadeira da escrivaninha que estava ao lado da cama – e
descansa.
- Mas
eu não quero, já disse.
- E eu
já disse para tentar.
- Mas
eu estou sem sono.
- Se
você não dormir não vai ficar quieto.
- Vou
sim!
- O
que me garante se não está agora? – ele ficou quieto enquanto pensava.
- Mas
eu... – cansei de argumentos e teimosia.
Inclinei meu corpo e o beijei, foi a única
opção que pensei ser eficaz naquele momento, então aproveitei o impulso e
beijei.
-
Agora cala a boca e dorme – disse no tom de voz mais suave que consegui fazer
quando se manda alguém calar a boca.
Justin parou de me encarar um tanto perplexo e
fechou os olhos, antes fixos nos meus, suavizando todas suas feições
aparentemente mais velhas, devido ao cansaço e trabalho duro de um artista
teen.
Me levantei para sair do quarto e deixá-lo
dormir, e teria feito isso se ele não tivesse segurado meu pulso.
-
Fica, por favor – ao ouvir sua voz absurdamente rouca, virei a cabeça para trás
e encontrei seus olhos ainda fechados.
Ele pediu e eu obedeci.
Sentei
na cadeira de novo, mas ele não soltou o meu pulso, ou melhor, afrouxou apenas
o suficiente para deslizar e segurar a minha mão. Eu sabia que ele ainda não
havia dormido, mas estava tentando, apesar disso, não resistir em levar a minha
mão livre até seu rosto e acariciar o mais delicadamente que consigo,
desenhando com os dedos cada contorno de sua face virada para cima, e deixando
todas as lembranças virem como bombas e se espalhando feito fogo em minha
mente. Não só lembranças dos sorrisos que eu dizia serem tanto meus, dos
olhares que me tiravam do chão e dessa perfeita junção que me tirava o ar, mas
das sensações de cada toque, dos beijos... das alegrias compartilhadas, de cada
momento feliz onde eu não sabia o quanto o mundo podia ser tão perfeito.
Mas minha mente não poderia parar por ali,
claro que não, era pedir demais a ela. As lembranças começaram a vagar pelo
lado obscuro. Comecei a bloquear todos os pensamentos e sensações de dor e de
choro que começaram a aparecer e consegui me controlar antes que me debruçasse
em lágrimas e o acordasse com os meus soluços ou com a tentativa de
controla-los.
Quando tive certeza que Justin dormia e que já
estava ficando complicado demais ter que lembrar daqueles momentos, soltei a mão dele lentamente da minha e saí do
quarto fazendo um esforço tamanho para não fazer barulho e não fechei a porta,
apenas a encostei um pouco e caminhei lentamente até as escadas além de para
não fazer barulho, como para me recompor.
Pattie chegou e ficou me esperando no pé da
escada, encostada no fim do corrimão e me olhando como se eu fosse uma dádiva
de Deus, o próprio milagre, com esperança transbordando pelos olhos.
- E
aí? – ela não resistiu e perguntou, acho que eu estava descendo as escadas,
lenta demais para a curiosidade dela.
- Ele
tomou o remédio e agora está dormindo.
- Oh!
Graças a Deus! – ela se aliviou completamente, só deixando um fio de
preocupação, afinal ele não estava totalmente bem.
- Cadê
o Scooter? Ele sabe?
- Não,
obrigada por lembrar, tenho que ligar para ele. Foi tudo rápido demais. Com
essa coisa do CD e de clipes e a quantidade de shows aumentando cada vez mais o
Scooter anda bem ocupado. No mesmo dia que ele foi resolver o show no Madison
Square Garden aconteceu isso. Vou ligar para ele.
- Não,
deixa que eu ligo. Por onde posso?
- Pode
ser pelo meu celular, só que ele está no meu quarto.
- Eu
pego se não se importar.
- Tudo
bem – eu havia parado no quarto degrau e subi tudo de novo com certa urgência,
mas procurando fazer o menos barulho possível. – Está na escrivaninha perto da
porta! – ela falou um pouco alto e eu assenti já entrando no corredor.
Fui até o quarto da Pattie no final do
corredor respirando fundo e me preparando para falar com Scooter – imagino o
quanto ele me atenderá bem. Abri a porta devagar, observando o quarto. Não me
lembro de já ter entrado no quarto da Pattie, mas fiquei temporariamente
deslumbrada. Era um pouco maior do que o do Justin, todo perfeitamente decorado
em tons de marrom, bege e verde escuro, com cada móvel aparentemente escolhido
a dedo.
Por mais que eu estivesse ficado admirada com
o quarto, logo minha mente rápida, impulsiva e embolada me lembrou do real
motivo de eu estar ali. Me virei procurando a escrivaninha e quando achei,
fucei em meio os papeis até achar o celular que estava na minha cara, ao lado
de um porta lápis colorido, escrito “Para mamãe” e embaixo, tinha o nome do
Justin e a série que estava meio ilegível, talvez primeiro ano.
Peguei o celular e saí do quarto já procurando
o nome de quem eu deveria ligar.
-
Scooter... Scooter... Scootter... – falava comigo mesma – meu Deus! Quantos
contatos! Achei! Amém.
Apertei
o botão de chamada e pus no ouvido antes mesmo de começar a descer a escada. Um...
dois.... três.... seis toques depois ele atende.
- Pattie!
- Peeeeeeeeeeeeeen, resposta errada!
- Houston? Por que diabos você está me
ligando? Do celular da mãe do Justin ainda?
- Eu sei que Pattie é mãe do Justin
retardado!
- Você me ligou para me ofender? Achei
que fosse menos baixa do que isso garotinha.
- Apesar de eu ter um prazer enorme em
fazer isso, não, não foi por isso que te liguei.
- Então diz logo, sabe o quando é
desprezível falar com você.
- Imagino o quanto, para mim não está
sendo tão melhor.
- Então diz logo, quanto menos falar
com você, melhor para os meus ouvidos.
- Que tal você deixar de ser tão
repugnante e vir ver o Justin?
- Justin? O que aconteceu com ele?
- Ficou preocupado né?
- Deixa de ser irritante garota! Diz
logo!
- Para que está perdendo tempo comigo?
O que tem que saber é que é para vir para Stratford agora! O mais rápido que
puder.
- Quem você acha que é para me dar
ordens?
- É o seguinte, eu você viria se ainda
quer seu menino prodígio bem.
Desliguei
no momento que a raiva começava a tomar conta de mim, meu sangue fervia só de
ver aquele cara, imbecil e arrogante, o pior de tudo é que Justin o adorava!
Talvez seja só comigo que ele era tão insuportavelmente desprezível.
- Tudo
bem Lua? – assenti para Pattie enquanto respirava fundo e freneticamente
tentando me acalmar. – Pelo seu jeito, falou com Scott certo? – assenti de novo
sorrindo, junto com ela, devido ao comentário. – E ele?
-
Tenho a impressão que ele vai pegar o primeiro avião para cá – a entreguei o
celular.
-
Obrigada Lua, não sei como agradecer. Você sabe o quanto essa carreira é
importante para o Justin, se algo o impedisse de cantar eu não sei o que
aconteceria com meu filho. Sei que vocês não estão bem, mas você era a minha
última opção.
- Tudo
bem Sra. Pattie, nunca que eu deixaria Justin ficar mal se eu puder ajudar –
ela sorriu fraternamente e eu sorri de volta o mais delicada que o sorriso dela
permitiu que eu sorrisse.
Quando vi que a conversa não iria mais além,
me virei e comecei a subir as escadas de novo.
- Onde
vai? – virei meu tronco e a encarei.
- Justin
pediu para eu ficar, não quero que ele acorde e não me veja.